Parque Nacional do Arquipélago do Bazaruto: ontem e hoje

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24 June 2016
No ano em que celebra 15 anos, o Fundo Mundial para a Natureza (WWF) Moçambique visitou o Parque Nacional do Arquipélago do Bazaruto (PNAB) para recolher testemunhos dos impactos da sua passagem nesta importante reserva marinha, a primeira que o país conheceu e que este ano assinala o seu 45º aniversário. Tendo sido o primeiro programa implementado pela sua equipa de profissionais Moçambicanos, o Projecto de Maneio Comunitário dos Recursos Naturais em Bazaruto decorreu entre 2003 e 2013, conhecendo grandes sucessos nas componentes de educação ambiental e comunitária. 

Quando recomendou a criação do Parque Nacional do Arquipélago do Bazaruto (PNAB), em 1969, o ecologista sul-africano Ken Tinley destacou a necessidade de protecção e conservação marinha e costeira desta região do extremo norte da província meridional de Inhambane, considerando a sua importância para a sobrevivência de duas espécies marinhas: a tartaruga e o dugongo. Mas, mesmo com a efectiva criação do parque, em 1971, que levou a que “pela primeira vez se tratasse uma zona marinha como um ecossistema” em Moçambique, foram precisos vários anos até que um programa fosse desenhado para responder aos desafios que as ameaçavam.

Com o início do Projecto de Maneio Comunitário dos Recursos Naturais do Bazaruto, em 2003, o WWF-Moçambique estabeleceu uma rede de parcerias com as autoridades nacionais e locais, e agentes do sector privado, procurando assim introduzir uma abordagem com uma forte componente educativa e apoio ao desenvolvimento que incidisse sobre o impacto humano na conservação dos recursos naturais do arquipélago.

Nesta altura, apesar de o PNAB ter já em funcionamento um plano de maneio que proibia a pesca e o consumo de tartarugas e dugongos, a prática era comum entre as comunidades residentes no interior da reserva e nos distritos continentais de Vilankulo e Inhassoro, que possuem autoridade administrativa sobre o arquipélago.
Com financiamento da Agência Norueguesa de Cooperação para o Desenvolvimento (NORAD), concedido através do WWF-Noruega, a parceria estabelecida envolveu o WWF-Moçambique a Direcção Nacional de Áreas de Conservação (actual Administração Nacional das Áreas de Conservação - ANAC), o PNAB, a organização Endangered Wildlife Trust (EWT), e o WWF-Southern Africa Regional Programme Office (SARPO).

No momento do lançamento do programa, o PNAB conhecia uma gestão administrativa suportada pelo WWF-Suíça, que tinha sido iniciada em 1998 com o objectivo de alargar a extensão da reserva para os actuais 1.430 km2, passando a incluir as ilhas de Bazaruto e de Santa Carolina, além das de Benguérua, Magaruque e Bangué, já contempladas no plano inicial de 1971. O alargamento da área do PNAB era considerado fundamental para o projecto de conservação da reserva, e tinha merecido um financiamento da União Europeia para o efeito num programa implementado pelo WWF-Internacional e pelo WWF-SARPO entre os anos de 1994-1998, mas que viria a terminar sem os resultados esperados.

O consumo da carne de Dugongo era uma prática recorrente no PNBA antes da intervenção do WWF.
(O consumo da carne de Dugongo era uma prática recorrente no PNAB antes da intervenção do WWF.)

Com o Programa de Uso Múltiplo de Recursos do WWF-Suíça, que se manterá até 2005, o PNAB obteve recursos técnicos e financeiros cruciais para que o programa comunitário do WWF-Moçambique se pudesse desenrolar paralelamente com impactos positivos. Admitindo que o objectivo de conservação só poderia ser atingido se as comunidades locais o adoptassem, o programa procurou ajudar a desenvolver e capacitar as associações locais que geriam os recursos de parte das receitas turísticas que o Estado Moçambicano recebe do parque, localmente conhecidos como “os 20%”.

“Naquele momento, estivemos todos juntos [população], com o WWF e o próprio PNAB, porque tinha de acontecer [criação da associação], porque as coisas não estavam a andar bem”, lembra Sujado Albino Zivane, Presidente da Associação Kanhi Kwedo, da ilha de Benguérua.

Além da Associação Kanhi Kwedo, o projecto apoiou o desenvolvimento da Associação de Pescadores do Arquipélago de Bazaruto, a Associação Thomba Yedho, da Ilha de Bazaruto, e ainda o Comité de Gestão de Recursos da Ilha de Magaruque. Programas de capacitação em gestão financeira foram disponibilizados aos membros destas associações, que participaram em visitas de trabalho para troca de conhecimentos noutras reservas do país.  

“O WWF ajudou a treinar as pessoas, a saírem da ilha para verem outras experiências de como se utilizam noutros lugares os 20%”, assinala Fernando Mutondo, primeiro secretário do Comité de Gestão de Recursos do PNAB da ilha de Bazaruto, que é também pescador.

“O papel das associações aqui existentes começa na gestão dos recursos naturais. É através delas que a informação da conservação é difundida. Os presidentes têm esse dever, porque se for alguém do parque a fazê-lo parece obedecer a objectivos que não são os das comunidades. Estas associações foram criadas para incutir na comunidade a ideia de que os recursos são delas”, explica Tomás Manasse, Chefe de Fiscalização do PNAB.

Entre 2006 e 2008, as três associações constituídas nas ilhas de Bazaruto, Benguérua e Magaruque geriram activos superiores a 700 mil meticais provenientes das taxas turísticas. Geralmente, as associações procuravam aplicar os seus investimentos no desenvolvimento de infra-estruturas, como escolas, casas de professores e furos de água. A Associação Kanhi Kwedo, por exemplo, decidiu usar recentemente os seus recursos para a construção de um centro comunitário.

“Tivemos um ciclone grande [em 2007] que soprou todas as casitas ali da ilha: ficou sem nada. Pensamos em construir uma casa para quando tivermos mau tempo conseguirmos acomodar idosos e crianças. É um abrigo para todos nós”, explica o presidente da associação, que conta que o grupo faz também uso das receitas para disponibilizar pequenos empréstimos aos membros da comunidade.

Motivar a mudança comportamental

Nos seus sete povoamentos, o arquipélago do Bazaruto conta uma população de cerca de 3.500 pessoas, que vive altamente dependente dos recursos naturais da região, sobretudo dos marinhos: a pesca de pequena escala representa a renda principal de cerca de 70% dos agregados familiares. Sem escolas que permitam a progressão dos alunos além do ensino primário (sétima classe), as famílias enfrentam grandes dificuldades em garantir aos seus filhos oportunidades de estudo no continente, o que leva a que a actividade pesqueira se torne na alternativa profissional possível para a maioria dos jovens. Procurando retirar peso à procura de recursos pesqueiros, o projecto do WWF-Moçambique disponibilizou um programa que garantiu dezenas de bolsas de estudo a jovens estudantes. Capacitações profissionais em diversos ofícios, como carpintaria e alfaiataria, foram também criadas para adultos.


(O contacto com as comunidades permitiu uma alteração profunda na consciência de conservação dos recursos do arquipélago.)

“Podem parecer pequenas, mas são coisas que trouxeram grande valor à comunidade. Com as bolsas de estudo que receberam, as pessoas melhoraram a vida social da comunidade. A formação de pedreiro e carpintaria foi muito relevante”, assinala Pascoal Bernardo Zivane, líder comunitário do 3º escalão da comunidade de Pangaia.
“Ajudou a comunidade, porque aqueles que precisam de cadeiras vão fazer à pessoa que aprendeu, não têm de sair para o continente”, acrescenta o líder do 2º escalão da mesma comunidade, Fernando Zivane.
Para atingir os seus objectivos programáticos, o WWF-Moçambique procurou também sensibilizar as várias comunidades sobre os desafios que ameaçavam a conservação das espécies e habitats do parque, realizando palestras educativas sobre conservação de recursos focadas no plano de maneio do PNAB, cuja versão de 2009-2013 apoiou a desenvolver.

“Eles vinham com o plano de maneio para nos ensinar: se vocês viverem desta forma, a ilha vai se desenvolver, mas se cortarem árvores, tirarem tartarugas ou dugongos vai desaparecer tudo”, recorda Sebastião Massane, comerciante e transportador residente na ilha de Benguérua.
Identificadas como uma das maiores ameaças que contribuíam para o desflorestamento das ilhas, as queimadas descontrolas foram também um tema constante nas actividades de sensibilização do projecto.

“As pessoas faziam uma bebida alcoólica, que se chama ´Utchema`, e que é produzido com palmeiras. Muita gente usava o fogo para poder tirar as folhas e cortar as árvores, mas o WWF disse que tínhamos de fazer de outra forma, porque as palmeiras não podem ser só usadas para fazer álcool”, lembra o Presidente da Associação Kanhi Kwedo.

É neste contexto que o apoio à criação de grupos comunitários para o uso sustentável de recursos se revelou uma aposta importante. Enquanto produtores de vinho de palma se comprometeram a desenvolver esforços para evitar queimadas descontroladas, colectores de ostra-mapalo acordaram estabelecer áreas de protecção total para a regeneração desta espécie em resposta à exploração excessiva que o recurso conhece. Grupos de pescadores destacaram-se também com a criação de um período de defeso nos meses de Outubro e de Novembro.

No PNAB, cerca de 70% das actividades ilegais detectadas pela equipa de fiscalização têm origem no continente, segundo Tomás Manasse, que explica assim a necessidade que o projecto teve de expandir para os distritos costeiros de Inhassoro e de Vilankulo as suas actividades de sensibilização comunitária.
“Só falar da conservação a nível do parque, e não expandir essa informação lá fora, seria difícil. Por exemplo, fazer perceber aos furtivos que saem do continente para as ilhas a necessidade de proteger os recursos, com benefícios directos e indirectos para eles”, nota o Chefe de Fiscalização do PNAB.

As actividades de sensibilização no continente envolveram uma forte componente educativa, com palestras nas comunidades e escolas, projecção de filmes, programas de rádio, distribuição de folhetos informativos e outras acções, mas ficaram especialmente célebres as competições desportivas que tinham como pano de fundo os temas da conservação. Vários torneios de futebol e regatas envolvendo grupos escolares e de pescadores foram organizados levando mensagens de sensibilização ambiental a milhares de pessoas.


(O trabalho de sensibilização comunitária produziu grandes resultados através de competições desportivas.)

“O que fizemos foi utilizar crianças e pescadores, e aquilo que o WWF e o município tinham para oferecer. Decidimos fazer um torneio e divulgar, porque não tinha custos elevados, e isso ficou até hoje: as camisetes existem, as pessoas e as crianças perceberam a mensagem”, salienta Suleimane Amugy, ex-Presidente do Município de Vilankulo, uma das várias entidades com as quais o WWF-Moçambique estabeleceu parcerias para o desenvolvimento das competições desportivas, e entre as quais se destacam o Instituto de Formação de Professores (IFP) e a Associação dos Pescadores de Vilankulo.

“No início, preocupámo-nos com a inclusão das crianças do ensino primário e tínhamos as equipas ao nível das escolas. Tínhamos o formador do IFP, que ia fazendo o trabalho com os monitores das escolas para que os torneios acontecessem de forma continuada. Além dos torneios de futebol, fomos trabalhando com o Conselho Municipal para fazer regatas, que tinham o desafio de incutir nos pescadores a consciencialização ambiental”, explica Armando Manjate, antigo Director Adjunto Pedagógico do IFP.

“Ao nível dos comités dos pescadores criavam-se as equipas: o meu tinha uma, o outro tinha outra e assim sucessivamente. No fim do mês, as equipas defrontavam-se até que uma vencia o torneio. Posso dizer que o meu comité foi um dos vencedores. Até temos a taça”, assinala o Vice-presidente da Associação dos Pescadores de Vilanculos, Isac Tangune.

As regatas, por outro lado, realizavam-se no Dia do Pescador, a 21 de Novembro, e no Dia do Município de Vilankulo, a 18 de Abril, envolvendo três provas: vela, remo e natação.

“No dia do município, ainda continuamos a fazer esta iniciativa”, diz Isac Tangune.

Mais sensibilização, menos infracções, mais turismo

Com as várias iniciativas de sensibilização e apoio ao desenvolvimento comunitário , o projecto diminuiu de forma indirecta o número de actividades ilegais praticadas no interior do parque. De 2006 para 2008, passaram a registar-se menos de 100 ocorrências anuais, numa altura em que o número de patrulhas aumentava para mais de 3.000 por ano. A pesca com recurso a redes de emalhar e palangre (longline fishing) eram tidas como as maiores ameaças à protecção das tartarugas, tubarões, dugongos e outros mamíferos. Mas, com uma acção combinada de sensibilização, programas de trocas de redes e fiscalização activa, o uso destas práticas diminui significativamente.


(A conservação das espécies marinhas é fundamental para a prática do turismo no arquipélago.)

“O processo de sensibilização feito pelo parque e o WWF era exactamente por causa dessas artes nocivas, como as redes de emalhar ou de longline. Foi fácil poder banir estas artes nocivas de dentro do parque, porque as próprias comunidades passaram a queixar-se por si mesmas sobre as pessoas que usavam essas práticas”, explica o Chefe de Fiscalização do PNAB.

“As pessoas acataram e chegaram à conclusão de que se praticassem essas actividades nocivas, isso era mau para elas mesmas”, salienta Isac Tangune.

Suleimane Amugy lembra que “era frequente ouvir-se falar que uma rede tinha capturado um dugongo”, o que hoje já não acontece.

“Nota-se um progresso enorme. Não tenho a certeza sobre os números, mas tenho a certeza de que a população de dugongos deve ter aumentado derivado a este trabalho que foi feito. É por isso que digo que é possível fazer muito, gastando muito pouco”, diz o antigo Presidente do Município de Vilankulo.

Com a introdução, em 2005, do Sistema de Monitoria Orientada para Fins de Gestão (MOMS, na sigla em inglês), uma ferramenta simplificada de gestão para fins de conservação inicialmente desenvolvida na Namíbia, as autoridades do PNAB conseguiram também melhorar a sua capacidade de monitoria e gestão dos recursos do arquipélago.

Lembrando que o sistema foi também implementado noutras áreas de conservação em Moçambique, Tomás Manasse sublinha que este foi um dos contributos mais importantes deixados pelo WWF-Moçambique no PNAB.

“Vimos que esta era uma ferramenta muito importante, que não só ajuda no processo de recolha informativa para entrega à comunidade, mas também para os nossos relatórios. Apesar de ser manual, serve como base de dados muito simples e facilita a recolha de informação tendo em conta o nível de formação dos fiscais, que podem não ter uma escolaridade alta”, explica o Chefe de Fiscalização do PNAB, acrescentando que “o MOMS serve também como classificação para o desempenho dos próprios fiscais”.

Com uma comunidade mais informada e mais envolvida no processo de gestão dos recursos no PNAB, verificou-se uma profunda alteração no comportamento das pessoas em relação à protecção das duas espécies-bandeira do parque, o dugongo e a tartaruga, e de outras como a baleia, o tubarão ou o golfinho, que preenchem o cartão-de-visita do arquipélago.

“No passado, nós pescávamos os dugongos para comer, mas depois vimos que aquele animal tem vantagens”, diz Arone Zivane, Líder Comunitário da Ilha de Benguérua. Fernando Mutondo completa que o “o desenvolvimento está à vista e o número de dugongos e de tartarugas está a crescer muito e já não têm medo. Se são apanhados na rede, os pescadores soltam”.

“Pela minha parte, os desafios que eu acho mais prioritários é ajudarem-mos mais com as escolas e controlar mais os animais, porque os turistas gostam de ver os dugongos, crocodilos, tartarugas e tubarões. Este é o nosso mercado”, sublinha João Sebastião Massane, um comerciante da ilha de Benguérua com ligações ao sector do turismo.

A conservação dos recursos do PNAB tem uma grande relação de dependência com o sector do turismo. Um parque saudável gerará mais fontes de receitas para as comunidades locais, que assim colocarão menos pressão sobre os recursos naturais do arquipélago. No período de duração do seu projecto, o WWF-Moçambique conseguiu instalar uma plataforma através da qual as actividades de conservação no PNAB puderam ser lançadas. Hoje, os dugongos, as tartarugas e as outras espécies de valor turístico são “irmãos” das comunidades do arquipélago, como diz Fernando Mutondo, estando por isso mais protegidos do que no passado. Mas o futuro levanta novos desafios de sustentabilidade às comunidades locais e a estas espécies, sobretudo relacionados com a sobre-exploração pesqueira. Felizmente, o caminho da conservação sustentável dos recursos locais já foi traçado. Basta apenas continuar a percorrê-lo.

“Tem de proteger mesmo, porque se não proteger as coisas vão acabar. Muitos dos animais que nós conhecíamos nos tempos passados, já não existem mais. Por isso o parque tem de trabalhar com força”, sublinha João Zivane, pescador da Iha de Benguérua.

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